Quem nunca guardou um SSD com fotos antigas, vídeos de família ou projetos de trabalho pensando em “deixar salvo para sempre”? O problema é que “para sempre”, no mundo dos SSDs, pode significar bem menos tempo do que parece. Esses drives têm uma limitação pouco discutida: eles esquecem. Literalmente.
Fora do computador, sem energia, as células de memória perdem sua carga aos poucos — e, junto com ela, os dados que pareciam protegidos.
A falsa sensação de segurança dos SSDs
A popularização dos SSDs criou um mito prático: sem partes móveis, eles seriam imunes a falhas e ideais para arquivar dados “para sempre”. A ideia faz sentido à primeira vista, afinal, nada de pratos girando ou cabeças mecânicas para quebrar. Mas testes reais mostram o contrário.
Os dados ficam presos em células NAND, que retêm cargas elétricas para representar 0s e 1s. Sem energia, porém, essas cargas vazam aos poucos, um processo chamado charge loss, comprovado em estudos acadêmicos e experimentos independentes.
Um teste no canal HTWingNut acompanhou quatro SSDs baratos de 128 GB (TLC) por dois anos sem energia. Dois deles eram “novos” (pouco uso), e os outros dois foram “torturados” com 280 TB escritos, mais de 4x o limite oficial de endurance. No primeiro ano, tudo intacto, já no segundo ano:
SSD “novo”: dados 100% bons, verificação de hashes em 10min38s (quase igual ao início). Leitura a 470 MB/s. Mas o controlador já corrigiu 404 erros ECC — sinal sutil de desgaste.
SSD “usado”: quatro arquivos corrompidos (hashes não batem). Verificação saltou para 42min43s — 4x mais lento. HD Sentinel flagou 3 blocos ruins, 12 setores irrecuperáveis e 24 realocados. Leitura média de 350 MB/s, mas com picos de lentidão extrema.
Por que isso acontece?
Um HD tradicional grava dados magneticamente em um disco metálico. É como se as informações fossem “impressas” fisicamente ali, e só desaparecem caso o material enferruje, sofra impacto ou seja regravado.
Nos SSDs, o princípio é outro. Eles guardam bits usando cargas elétricas presas em minúsculas células NAND, um tipo de memória flash. Cada célula representa 0 ou 1 conforme o nível de carga armazenada. O detalhe é que, ao contrário do magnetismo, essa carga não é permanente, ela se dissipa naturalmente com o tempo.
Quando o SSD está ligado com certa frequência, o controlador interno redistribui esses elétrons e mantém a estabilidade. Mas se o drive fica meses ou anos sem energia, não há processo de “reposição”. A voltagem começa a cair, o isolamento das células se deteriora e os bits vão se confundindo, até que arquivos inteiros se perdem sem aviso.
O ritmo dessa perda depende de vários fatores: temperatura ambiente, desgaste causado por gravações anteriores, qualidade do firmware e, principalmente, o tipo de NAND usado. Os fabricantes classificam essa tecnologia em camadas. Mais camadas significam maior densidade, mas também menor retenção:
-
QLC (Quad-Level Cell) – armazena 4 bits por célula. Extremamente densa e barata, mas retém dados por cerca de 1 ano sem energia.
-
TLC (Triple-Level Cell) – mais comum no uso doméstico, segura por até 3 anos.
-
MLC (Multi-Level Cell) – usada em SSDs de estações de trabalho e servidores, pode resistir por 5 anos.
-
SLC (Single-Level Cell) – praticamente extinta no consumo doméstico, mas ainda referência em durabilidade, chegando a 10 anos desligada.
O curioso é que, por fora, ele parece intacto: acende, monta no sistema, lista pastas… mas alguns arquivos já estão irrecuperáveis. A degradação é elétrica, invisível,
O trunfo dos HDs
Pode parecer um retrocesso, mas os HDs magnéticos continuam sendo opções mais adequadas para arquivamento em frio, o armazenamento de dados que ficam longos períodos sem uso.
Eles são mais lentos, barulhentos e frágeis a impactos, é verdade. Porém, como não dependem de carga elétrica, podem ficar desligados por anos sem perda significativa de informação. O custo por gigabyte é menor e, nesse tipo de tarefa, a vantagem tecnológica pesa a favor do velho disco giratório.
Curiosamente, o mesmo princípio que mantém os HDs relevantes também explica por que uma tecnologia quase centenária segue viva em data centers ao redor do mundo: as fitas magnéticas.
Criadas em 1928 e adaptadas para computadores em 1951 (quando o UNIVAC I passou a usá-las), essas fitas ainda armazenam exabytes de dados para empresas como Google, Meta e NASA. Com vida útil de 30 anos ou mais, custo até 80% menor que SSDs e imunidade natural a ataques cibernéticos (já que ficam totalmente offline), elas provam que durabilidade física ainda tem valor estratégico.
No Brasil, órgãos como a Agência Nacional do Petróleo (ANP) seguem usando fitas LTO-7 para backups de longo prazo, enquanto setores farmacêutico e audiovisual mantêm a prática por questões regulatórias e de confiabilidade.
Como realmente guardar seus arquivos com segurança
Para quem insiste em manter SSDs como meio de backup, há uma recomendação simples: ligue o drive de tempos em tempos. Energizá-lo uma ou duas vezes por ano “refresca” as células e ajuda a preservar a integridade elétrica da memória.
Outra medida eficiente é combinar um NAS doméstico, que automatiza espelhamento entre múltiplos discos — com serviços de nuvem, como Google Drive, iCloud ou Backblaze. Assim, o processo de backup deixa de depender de lembrar de “ligar o HD” e se torna contínuo e previsível.
Nenhum dispositivo é eterno
Em última análise, não existe mídia indestrutível. O segredo está em acompanhar o tempo: revisar cópias, testar arquivos antigos e substituir drives quando começarem a dar sinais de desgaste…






